terça-feira, março 15, 2005

A carta

Quero que saibas que
não acredito na perenidade das Primaveras
na eterna permanência do aroma do jasmim
no irresistível encanto amarelo do girassol
no mais precioso tesouro guardado na intimidade das prímulas
na certeza completa do arco-íris
no fascínio que o mar tem por nós quando a luz cai oblíqua,

quero que saibas que não acredito em nada disto
e em histórias de amor com finais felizes muito menos,
que se continuo a lembrar as histórias que li em criança
e a mim mesma me invento outras
é apenas porque ainda não consegui abdicar do sonho,
que se te invento um palácio e portões dourados para o teu mundo
é apenas para poder sonhar com um abrigo como duas mãos
quando já não souber que fazer sob a trovoada,

e que se assim te escrevo
escudando as palavras na fragilidade óbvia das metáforas
é porque ainda confio
e quero que saibas que quero acreditar.

Rute Mota

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu queria escrever-te uma carta
Amor,
Uma carta que dissesse
Deste anseio
De te ver
Deste receio
De te perder
Deste mais que bem querer que sinto
Deste mal indefinido que me persegue
Desta saudade a que vivo todo entregue...
...
Eu queria escrever-te uma carta
Amor,
Uma carta que ta levasse o vento que passa
Uma carta que os cajus e cafeeiros
Que as hienas e palancas que os jacarés e bagres
Pudessem entender
Para que se o vento a perdesse no caminho
Os bichos e plantas
Compadecidos de nosso pungente sofrer
De canto em canto
De lamento em lamento
De farfalhar em farfalhar
Te levassem puras e quentes
As palavras ardentes
As palavras magoadas da minha carta
Que eu queria escrever-te amor

Eu queria escrever-te uma carta...

Mas, ah, meu amor, eu não sei compreender
Por que é, por que é, por que é, meu bem
Que tu não sabes ler
E eu - Oh! Desespero! - não sei escrever também!

António Jacinto, "Carta dum Contratado"