quinta-feira, março 31, 2005



Quando o meu amante se deitou a meu lado
por si só se desprendeu o meu cinto
e mal suspenso da cintura
o vestido deslizou-me pelos quadris
É a única coisa que sei
pois mal senti o contacto do seu corpo
de tudo me esqueci:de quem era ele
de quem era eu
de como foi o nosso prazer.

Amaru, Índia, Século VII

Uma alma gémea é alguém em cujas fechaduras as nossas chaves servem e que possui chaves para as nossas fechaduras.
(...) Se formos dois balões e a nossa direcção for para cima, tudo indica que encontrámos a pessoa certa.

Richard Bach, A ponte para a eternidade

quarta-feira, março 30, 2005


Joguemos às escondidas:
Se te escondesses no meu coração, não seria difícil encontrar-te.
Mas se te escondes na tua própria concha,
então será inútil procurar-te.


Kahlil Gibran, Areia e espuma

terça-feira, março 29, 2005


Haja o que houver
Eu estou aqui
Haja o que houver
espero por ti

Volta no vento ó meu amor
Volta depressa por favor

Há quanto tempo, já esqueci
Porque fiquei longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento por favor...

Ouvindo Madre de Deus

segunda-feira, março 28, 2005



Se me procuras no ventre

de imediato renasce a noite mais densa,

pequenos deuses afloram-me sobre os lábios

ou sobre os flancos e as pálpebras cedem

em partículas húmidas de silêncio

Sandra Costa

quinta-feira, março 24, 2005


Volto já...

quarta-feira, março 23, 2005



Esse vício impune, a leitura...

Valery Larbaud




Amo-te. Quero dizer,
Não te conheço. Só te peço
Umas cerejas

Não sei se as cerejas
têm coração – amor
insondável

Agitam-se as folhas
Da cerejeira – frases leves
escritas pelo vento

Casimiro de Brito

terça-feira, março 22, 2005


INSCRIÇÃO

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

Sophia de Mello Breyner Andresen



Quero ser eu, um dia, aquela voz
que te faz ficar mudo e transparente
ainda quando diz os tolos versos
em que o amor se diz habitualmente.
Quero ter eu, desse modelo, os seios
e a cor da pele, e a sílica volúpia
e tão longos cabelos que te seja
mais fácil agarrar-me pela nuca.
Cremoso como iogurte, e doce ao tacto
todo serei anúncio, mas servido
ao íntimo canal do teu ouvido.
Nem sei em que moeda me destroque
que pague o privilégio de em mim só
seres certo tu, e tudo o mais fingido.


António Franco Alexandre

segunda-feira, março 21, 2005


Teu corpo seja brasa
e o meu a casa

que se consome no fogo teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo
um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo

Alice Ruiz


Sonhei contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes tu, a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituisse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.

Nuno Júdice

domingo, março 20, 2005



Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Ténue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade,
Atrai e dói.
Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz?
O que sou dele a quem sorri?

Não é nem faz. Só de segui-lo me perdi

Fernando Pessoa

sábado, março 19, 2005


Não existe o esquecimento total; as pegadas impressas na alma são indestrutíveis.
(Thomas de Quincey)

Post e imagem roubados aqui
Vale mesmo a pena visitar...

sexta-feira, março 18, 2005


Abandono
A quem senão a ti direi
como estou triste? Mas se a tristeza vem
de tu não estares, como ta direi, como hei-
-de juntar o que me está doendo ao vento
que não bate mais à tua porta? Eu sei
que a tristeza é só isto, é só isto,
o descoincidir consigo mesmo, eu sei,
descoincidir com os outros, estava previsto
porque dentro de si o mundo não coincide e
não há senão tristeza. Em cada um está Cristo
sempre abandonado, cada um abandonado
a si mesmo, sem princípio e sem fim,
pois no princípio o amor era dado
promessa de te ter sempre junto a mim
não ausência, nem dor, nem habitado
ser por todo este absurdo. Morrer
um pouco, disse, sem saber o que dizia
pois eram só palavras, como se a prometer
tudo aquilo que havia e não havia.
Não haver palavras és tu a desaparecer.

Bernardo Pinto de Almeida
“Hotel Spleen

quinta-feira, março 17, 2005

A ternura

"Há na ternura uma constância impossível na paixão e finita no amor romântico, que nela desagua muitas vezes. É um carinho rumorejante, oficialmente pouco ambicioso, mas capaz de resistir às mirabolantes tropelias do coração. Porque nem o ressentimento mais azedo pode garantir a sua morte, ela sobrevive, com doce arrogância, em meia-dúzia de neurónios fiéis depositários de recordações politicamente incorrectas. Também nasce de amizades surpresas e indiferenças "definitivas". Tudo isto sem alarde. Mas deixando marcas; pistas; tiros de partida; promessas de chegada:)... "

Júlio Machado Vaz em http://murcon.blogspot.com/

terça-feira, março 15, 2005

A carta

Quero que saibas que
não acredito na perenidade das Primaveras
na eterna permanência do aroma do jasmim
no irresistível encanto amarelo do girassol
no mais precioso tesouro guardado na intimidade das prímulas
na certeza completa do arco-íris
no fascínio que o mar tem por nós quando a luz cai oblíqua,

quero que saibas que não acredito em nada disto
e em histórias de amor com finais felizes muito menos,
que se continuo a lembrar as histórias que li em criança
e a mim mesma me invento outras
é apenas porque ainda não consegui abdicar do sonho,
que se te invento um palácio e portões dourados para o teu mundo
é apenas para poder sonhar com um abrigo como duas mãos
quando já não souber que fazer sob a trovoada,

e que se assim te escrevo
escudando as palavras na fragilidade óbvia das metáforas
é porque ainda confio
e quero que saibas que quero acreditar.

Rute Mota

domingo, março 13, 2005


M.G.
Asa presa

O tormento de te amar é uma asa presa
que me detém num cubo de medo;
medo de que o amor eterno exista,
não caiba nas nossas vidas tão breves
ou não lhes resista.

Ana Rita Calmeiro

sábado, março 12, 2005


Segredo

Doce mistério da vida


Minha vida que parece muito calma
Tem segredos que eu não posso revelar
Escondidos bem no fundo de minh'alma
Não transparecem nem sequer em um olhar
Vive sempre conversando a sós comigo
Uma voz que eu escuto com fervor
Escolheu meu coração pra seu abrigo
E dele fez um roseiral em flor
A ninguém revelarei o meu segredo
E nem direi quem é

O meu amor

Ouvindo Maria Bethânia

sexta-feira, março 11, 2005


Fritz Bultman
Posted by Hello

Entrega

Una ola rompe violenta
en la playa de nuestros cuerpos
nos inunda un rugido de mar
contra las rocas.
Al retirarse,
lenta,
nos deja una brisa erótica
que nos envuelve
uniéndonos
para siempre
en un beso.

Amparo Jimenez

Julio Resende
Posted by Hello

E por vezes

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos

David Mourão Ferreira

quinta-feira, março 10, 2005


Amo...
Amo três gestos teus quando, senhor,
me incendeias do teu próprio fogo.
Te serves do meu corpo, minha boca
sorves na tua, me penetras...
És poderoso, vivo, estás feliz.
Mas depois disso cada minuto é meu.

Giosi Lippolis

quarta-feira, março 09, 2005


Particularidades I

Na plena solidão de um amplo descampado,
penso em ti e que tu pensas em mim suponho;
tenho toda afeição de um arbusto isolado,
abstracto o olhar, entregue à delícia de um sonho.

O Vento, sob o céu de brumas carregado,
passa, ora langoroso, ora forte, medonho!
e tanto penso em ti, ó meu ausente amado!
que te sinto no Vento e a ele, feliz, me exponho.

Com carícias brutais e com carícias mansas,
cuido que tu me vens, julgo-me toda nua...
– sou árvore a oscilar, meus cabelos são tranças...

E não podes saber do meu gozo violento,
quando me fico assim, neste ermo, toda nua,
completamente exposta à Volúpia do Vento!

Gilka Machado

terça-feira, março 08, 2005


Sabrás

Sabrás que no te amo y que te amo
puesto que de dos modos es la vida,
la palabra es un ala del silencio,
el fuego tiene una mitad de frío.

Yo te amo para comenzar a amarte,
para recomenzar el infinito
y para no dejar de amarte nunca:
por eso no te amo todavía.

Te amo y no te amo como si tuviera
en mis manos las llaves de la dicha
y un incierto destino desdichado.

Mi amor tiene dos vidas para amarte.
Por eso te amo cuando no te amo
y por eso te amo cuando te amo.

Pablo Neruda

[in Cien Sonetos de Amor]
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segunda-feira, março 07, 2005


Crepuscular
A incerteza cai com a tarde
no limite da praia.
Um pássaro apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.

Nuno Júdice

domingo, março 06, 2005


Sê suave no pisar...
Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrados com a prata e o ouro da luz,
Os tecidos azuis e foscos e de breu
Que têm a noite, a luz e a meia-luz
Estenderia esses tecidos a teus pés:
Mas eu, porque sou pobre, apenas tenho sonhos;
São os meus sonhos que eu estendi a teus pés;
Sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos.


YEATS

sábado, março 05, 2005


O verão novo

O verão que perdemos não poderá fazer-nos perder o verão novo
Há-de voltar o corpo e o mar será o mundo revolto que já foi
O outono o inverno serão se nós quisermos o verão que perdemos

Gastão Cruz

Amauri- reflexo

Fica comigo esta noite II


Posso ter inventado tudo, menos o fulgor perfeito dos nossos corpos juntos. Uma vida inteira não basta para apagar da pele o peso magnífico desse fulgor. Só sexo, disseram-me as amigas íntimas, quando eu chorava com elas a saudade do êxtase. Só sexo, fogo e palha, talvez tenham razão. Mas é disso que trata a vida, a minha vida: só sexo. Contigo.

Inês Pedrosa, Contos, só sexo

sexta-feira, março 04, 2005


longe de ti
estive tão longe de ti
que não pensei sequer lembrar o teu nome
percorri distâncias escuras, estradas imóveis
onde circulava o peso sem cor do esquecimento
e se curvavam as pedras à boca do destino

a solidão assustava-me, queimava-me a pele
quero dizer-te que não mais vi ternura
que os meus pés ganharam idade a um ritmo
que não pude conter, acompanhar, escrever-te

sim, fiz-me não te escrever
para que o teu corpo não ouvisse o vento
e as ondas fossem quebrar ao centro dos oceanos
para que uma palavra não pousasse no teu rosto
e levasse a luz dos teus olhos e a vida nos teus lábios

arranquei de mim a morada que eras tu
desisti dos pássaros, afundei barcos, lâminas.
apaguei o calor dos porões como se uma vela
pudesse perigosamente insistir na permanência
desse mundo que era a minha voz, éramos nós

estive tão longe de ti
mas deixa que agora te nomeie entre as nuvens
e traga para dentro de mim
o aroma que era o teu corpo nas manhãs a dois
deixa que venha morrer junto de ti
no ventre do amor que prometemos ao infinito


Vasco Gato, Um mover de mão

quinta-feira, março 03, 2005


Fica comigo esta noite

Fica comigo esta noite I


(...) E tive-te, atrás do espelho, todas as manhãs da minha vida. Porque foi sempre para ti que me quis bonita, mesmo nos dias escuros. É em ti que penso, quando escolho a roupa ou escovo o cabelo, todos os dias. Na possibilidade de te encontrar, no acaso de uma esquina. Lisboa é tão grande e tão pequena - porque não havia de te encontrar?
Queria ser a mesma, nesse encontro. A mesma, com a luz das rugas que me faltavam no tempo em que nos metíamos por dentro do corpo um do outro como se sozinhos fossemos apenas pedaços de um corpo mutilado.

Inês Pedrosa, Só sexo - Contos

quarta-feira, março 02, 2005


lua
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Cecília Meireles

terça-feira, março 01, 2005


Beijo

Beijo


Quando te beijo o beijo que tu me beijas
É que a flor envolve a terra que toca a flor


E é só a forma de os meus lábios dizerem que sim
E dos teus lábios dizerem que não
Que não houve tempo antes de nós


Vasco Gato, Um mover de mão