quarta-feira, novembro 30, 2005



















não me arrependo das horas que perdi a esperar-te quando ainda havia a esperança. a esperança que havia ainda quando, a esperar-te, perdi horas de que não me arrependo.

José Luís Peixoto


terça-feira, novembro 29, 2005















Não digo que te amei por ter possuído o teu corpo, mas sim por ter roçado a tua alma. Se pudesse estar apenas perto de ti, a ouvir a tua voz e a demorar o meu olhar sobre o teu, ter-te-ia amado na mesma... Fiquei presa no que está para lá do visível; enredada entre as folhas da tua verdadeira essência.

Possidónio Cachapa

segunda-feira, novembro 28, 2005

Reflexos


















Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite

E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:

o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,

invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.


Ana Luísa Amaral




sábado, novembro 26, 2005

Se tu me esqueces


















Quero que saibas uma coisa.
Tu já sabes o que é:
Se olho a lua de cristal,
o ramo rubro do lento Outono
em minha janela,
se toco junto ao fogo
a implacável cinza ou
o enrugado corpo da madeira,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz , metais,
fossem pequenos barcos que navegam para estas tuas ilhas
que me aguardam.


Pois, ora, se pouco a pouco
deixas de me amar,
de te amar, pouco a pouco, deixarei.
Se de repente me esqueces, não me procures,
já te esqueci também.


Pablo Neruda

O amor e o mar












Para chegar a ti tropecei muitas vezes.
noites inteiras a pronunciar um nome, e era o teu.
Noites inteiras a acariciar um corpo, e era o teu.
Anos e anos a arrancar com paciência as penas de uma ave
para caminhar sem rumo até uma porta
sem saber que tu eras essa porta.

O antigo silêncio que ainda me fala entre as ondas.

Eduardo Chirinos

terça-feira, novembro 22, 2005


















Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia
como o aroma entre os tendões da madeira fria.
És uma faca cravada na minha vida secreta.

Herberto Helder

segunda-feira, novembro 21, 2005

Legenda
















Nada garante que tu existas.
Näo acredito que tu existas.

Só necessito que tu existas.

David Mouräo Ferreira

Amei-te













Amei-te com os olhos
o espelho doido dos olhos
e a sede inextinguível da boca

Amei-te com a pele
as pernas e os pés
e todos os gritos que trago
por debaixo da roupa.

Amei-te com as mãos
as mesmas com que te digo adeus.

Rosa L. F.

sábado, novembro 19, 2005


















Vou partir
Como se fosses tu que me abandonasses

Al Berto

segunda-feira, novembro 14, 2005


















Estás partindo de mim
e eu pressinto que me partes,
e partindo, em ti me vais levando,
como eu que fico
e em mim vou te criando.
Tanto mais tu me despedes
e te alongas,
tanto mais em mim vou te buscando
e me alongando,
tanto mais em mim vou te compondo
e com a lembrança de teu ser
me conformando.

Estás partindo de mim
e eu pressinto
na verdade, há muito que partias,
há muito que eu consinto
que tu partas como um mito...

Affonso Romano de Sant'Anna


domingo, novembro 13, 2005













Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto

sábado, novembro 12, 2005

Respostas













Com quem dormiste?
-Dormi com uma mulher diferente em cada noite.
Com quem dormiste?
-Dormi sozinho. Dormi sempre sozinho.

Porque me mentes?
-Sempre pensei que te dizia a verdade.
Porque me mentes?
-Porque a verdade mente como nenhuma outra e eu amo a verdade.
Porque partes?
-Porque nada significa já muito para mim.
Porque partes?
-Näo sei. Nunca soube.
Quanto tempo deverei esperar por ti?
-Näo esperes por mim. Estou cansado e quero descansar.
Estás cansado e queres descansar?
-Sim, estou cansado e quero descansar.

Paul Strand


sexta-feira, novembro 11, 2005













Transformo-me nas coisas que tocaste,
crescem-me seios com que te alimente
o coração demente e mal fingido;
depois serei a forma que deixaste
gravada a lume com sabor a cio
na carícia de um gesto fugidio.

António Franco Alexandre

quinta-feira, novembro 10, 2005

A noite


















À altura de todas as estrelas
coloco as mãos para tocar o vento.
A lua é um fascínio que deixa atónito
o meu corpo, e lhe dá um cheiro
de fêmea fecundada; um fogo posto
a deixar um luar, pleno, detido nos meus olhos.
(...)
Um tango exausto sobe-me pelas pernas.
Há, na minha boca, uma rua silenciosa,
por onde se chega à fragilidade dos lábios.

Graça Pires

terça-feira, novembro 08, 2005

Pergunta-me


















Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

Mia Couto













De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia












não te pergunto de onde chegas?,
porque sei para onde vais.
hoje é a hora exacta em que até o vento
até os pássaros desistem.
e a noite a teus pés é um instante
e um destino.

não te pergunto onde está o teu rosto,
tantas vezes ocluso e pisado sob os ramos,
onde está o teu rosto?
nem te peço que incendeies o teu nome
numa nuvem nocturna,
nem te procuro.

és tu que me encontras.
ficas no rio que passa,
nada de um tempo que não existe,
nem correntes, nem pedra, nem musgo.
nem silêncio.

José Luís Peixoto

domingo, novembro 06, 2005













Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, novembro 02, 2005

Jurar


















um homem jura com seu corpo,
sua vida,o amor por uma mulher.
prega suas palavras naquele corpo
até que se torne campo ,flores ,
frutos,oceano , sussurros.

um homem jura com suas palavras,
e suas palavras são sua fortuna.
jura com seus olhos,
até que o amor trespasse sua vida
e ela seja seu destino desvendado.

um homem jura a si mesmo,
até que acredita.

silvia chueire

Discurso sobre a felicidade














" Disse que quanto mais a nossa felicidade depender de nós, mais a teremos garantida; e, todavia, a paixão, que pode proporcionar-nos os maiores prazeres e tornar-nos mais felizes, coloca a nossa felicidade inteiramente sobre a dependência dos outros..."

Madame du Chatelêt

terça-feira, novembro 01, 2005

A Voz


















Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens.

Maria Teresa Horta