terça-feira, janeiro 31, 2006



Gota para ti de água
eu em tua
boca

a matar-te a sede
da solidão incerta

Que mais serei eu
se apenas essa
chuva...

gota aprisionada
que logo se liberta?

Maria Teresa Horta

domingo, janeiro 29, 2006

Horizonte




o horizonte é logo ali
ou tão distante

depende dos braços
com que o abraçamos
dos olhos com que o percebemos
do nosso corpo abandonado nele

silvia chueire

sexta-feira, janeiro 27, 2006


Darren Holmes

Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

José Carlos Ary dos Santos, Obra Poética

quarta-feira, janeiro 25, 2006


Natalie Shau

faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,

e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira

e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe.

Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, janeiro 24, 2006



Como se fossem astros, rasgaria
as minhas mãos e a ti,
e essa lisura de te amar em sol que sonhei para nós,
há tanto tempo,
e me parece agora:
um sussurro que és

- como trovão

Ana Luisa Amaral


Que saudade da cama amarrotada
Dos restos de palavras pelo meio
Da noite que era sempre madrugada...

Fernando Tavares Rodrigues

segunda-feira, janeiro 23, 2006


...
nenhum de nós levantou a cabeça
beijou na despedida um afecto por recordar
uma tentativa consistente que nos prendesse
à terra onde nos inventámos

era tarde para te dizer que sim
ou que não
ou que talvez um dia

Fernando Dinis

sábado, janeiro 21, 2006




Porque a veces te amo y a veces te abandono,
porque puedo matarte cuando no se quererte
porque com mis abrazos ti convierto en cenizas!
...

Maria Monvel

lobo marinho

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar.
E mar.Contar-te longamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

sexta-feira, janeiro 20, 2006




é de tempo sobre este tempo que preciso

cheio e vibrante de
nenhuma hora perdida ao pensar-te
e de nenhum cansaço rendido à memória

de muitas coisas acontecidas sobre este tempo
em que nenhum exercício te esgota de mim
e que nenhum minuto liberta

que hoje seja há muitos anos atrás

cláudia Caetano

quinta-feira, janeiro 19, 2006













Não fiques imóvel
à beira do caminho
não congeles o júbilo
não queiras com indiferença
não te salves agora
nem nunca
não te salves
não te enchas de calma
não reserves do mundo
apenas um canto tranquilo
não deixes cair as pálpebras
pesadas como juízos
não fiques sem lábios
não adormeças sem sono
não te penses sem sangue
não te julgues sem tempo

mas se
ainda assim
não consegues evitá-lo
e congelas o júbilo
e queres com indiferença
e te salvas agora
e te enches de calma
e reservas do mundo
apenas um canto tranquilo
e deixas cair as pálpebras
pesadas como juízos
e te secas sem lábios
e adormeces sem sono
e te pensas sem sangue
e te julgas sem tempo
e ficas imóvel
à beira do caminho

e te salvas
então
não fiques comigo.

Mario Benedetti

sexta-feira, janeiro 13, 2006

memória



carregas a minha boca na tua,
esta memória que arde em ti.
e ainda assim te vais,
teu corpo e tua alma marcados
pelo amor,
meu corpo, minha alma.

hão de falar-te de mim os teus lábios,
a tua pele onde andaram os meus,
as nossas vozes misturadas
de palavras e sussurros.
lembrar-te-ão a cada dia.

silvia chueire

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Disse-te












Disse-te nas entrelinhas,
ouviste?
do sussurro leve
que perpassou-me o corpo.
mas fiquei calada como as árvores
em dia de pouca brisa :
apenas um suave farfalhar de folhas.

eugênia fortes

segunda-feira, janeiro 09, 2006

















Esse sol
Por que tinha de tanto brilhar
Anunciar no meu peito a manhã
Para depois sumir
E deixar
Tão mais negro o meu céu, minha noite
Por que foi minha boca beber
Se embriagar da tua boca
P’ra sobrar tão mais amargo o gosto do vazio
E da solidão.

Meu coração prefere acreditar nessas promessas
Mesmo essas que só fazem
Abrir minhas janelas, p´ra nenhuma,
P´ra nenhuma paisagem.
Ah! Por que
Me invadir como doce canção
P´ra depois me ferir, me queimar
Com o ardor de toda paixão.
Eu assim
Te acolhi sem nenhuma defesa
Como nova estação quando chega
Um belo dia uma certeza
Um vinho dado à minha mesa
Uma palavra, um abraço de irmão.
Meu coração prefere acreditar nessas promessas
Mesmo essas que só fazem
Deixar na minha pele
Calor, luz, alegria p´ra
Nenhum verão.

(ouvindo Bethânia)

domingo, janeiro 08, 2006


















Quando te vejo na luz ou nessa sombra
estar vago e ser tão próximo,
só tu sendo não sabes onde te vejo,
só eu muda não digo onde te guardo.

Fiama Hasse Pais Brandão





sexta-feira, janeiro 06, 2006










Doente de olhar fecho os olhos para ver melhor. Amor somente em ti eu veria, se cegasse?

Casimiro de Brito

quinta-feira, janeiro 05, 2006














Os dedos com que me tocou
persistem sob a pele, onde a memória os move.
Tacteiam, impolutos. Tantas vezes
o suor os traz consigo da memória,
que não tenho na pele poro através
do qual eles não procurem sair quando transpiro.
A pele é o espelho da memória.

Luís Miguel Nava

Feltro (ao ouvido)










diz-me o caminho diz
onde diz como e com
que palavras e sem
que palavras e diz-mas
baixinho cuidado não
faças barulho não digas
antes que chegue
o nome e o sentido
do que devagarinho
queima entre um
silêncio e outro.

Sarah Adamopoulos


Foto de Margarida Delgado

quarta-feira, janeiro 04, 2006













Estranho e duro amor
é o nosso amor
... que não se farta de partir-se
e não se cansa de querer-se.
Amor
todo feito de distâncias necessárias
que te trazem
e de partidas sucessivas
que me levam.
Que espécie de amor
é esse amor que nos doamos
sem pensar e sem querer com tanto amor
e tão profundo magoar?
...
Estranho amor,
ferino amor,
instável amor

feito sem muita paz,
com certo desengano
e um desconsolo prolongado.

Feito de promessas sem futuro
e de um presente de saudades.
Chorar tão dúbio amor quem há-de?

Estranho amor
e duro amor
incerto amor,

que não te deu o instante que esperavas
e a mim me sobejou do que faltava.

Affonso Romano de Sant'Anna




















-Quando o teu pensamento
era o meu pensamento,
e ardia em brilho,
como sarça ardendo

Ou fui eu
que ao sonhar esse momento
me desejei,
te querendo?

E o que via de ti,
amor, amado,
era a mim própria,
paralela em amor,

como num espelho
por onde o teu olhar
me fosse doce riso,
branda pele,

e eu nele assim
cativa

Ana Luisa Amaral