quarta-feira, agosto 31, 2005

Entra



















entra no meu corpo
como se fosses dono
de posse que te foi dada.

entra em mim
todo mãos, lábios, pele,
perdição murmurada.

mesmo que não seja assim
e tudo seja sonho,
antecipação,
delírio.

silvia chueire

Final















Quero acabar como uma gata,
beber leite em tigelas de barro,
comer peixe fresco e fetos.
Quero ser uma gata para me deitar
entre os livros que estás a ler,
deixar pêlos meus pela casa toda,
arranhar-te as pernas.
Quero acabar como uma gata,
para que me fales quando estiveres só,
convencido de que nunca te vou compreender,
rasgar-te papéis importantes,
extraviar adornos de valor.
Quero ser uma gata para de noite subir aos telhados
e ouvir-te desesperado a chamar-me:
Miau, miau, miau, miau...


Zoé Valdéz

segunda-feira, agosto 29, 2005

Oferenda










ofereço-te meu corpo
faze dele o que quiseres
porque é o teu desejo
que desejo.

eugênia fortes

quinta-feira, agosto 25, 2005



















...enquanto o meu corpo caminhava lentamente para o abismo. as tuas mãos cravadas nele : és minha. e eu a repetir : sou tua .

há um segredo de morte entre os amantes. só o desvenda, se é que o faz, quem percorre a senda obscura do outro sem morrer ou matar. no entendimento de que o amor pode ser vivido. sempre pode.

e. fortes

terça-feira, agosto 23, 2005

Do Desejo















E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.


Hilda Hilst















... e pedirei à noite que me empreste
um farrapo de manto incandescente
de que se veste, agora, para ter-te.


António Franco Alexandre

segunda-feira, agosto 22, 2005



















Tal como és assim te quero, e sempre
diverso cada dia do que foste;
cada imperfeito gesto que inventares
me fará desejar-te em outro verso.


António Franco Alexandre

domingo, agosto 21, 2005
























Às vezes penso que não é o tempo que passa, somos nós que invadimos calendários e arrancamos dias, somos nós que construímos relógios e giramos os seus ponteiros enrugados, somos nós que inventamos minutos e carregamos horas dilaceradas em nossos bolsos vazios.

Às vezes me ocorre que não é o tempo que passa, somos nós que caminhamos para trás.

Thomas G. Marasco

sábado, agosto 20, 2005

Uma Mulher
























Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela
a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca
uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora
o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.

Bruna Lombardi

sexta-feira, agosto 19, 2005
















Encontro o meu amor a pescar
de pé nos baixios

Ofereço-lhe a magia das minhas coxas
O meu conjuro prende-o

Poemas de Amor do Antigo Egipto

quarta-feira, agosto 17, 2005














Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo.

Hilda Hilst

segunda-feira, agosto 15, 2005

Na luz a prumo
















Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)

E fossem chama. Quase

Eugénio de Andrade