quarta-feira, junho 28, 2006

outro tempo



foi num tempo outro. quando os olhos não sabiam ler além da alma. muito além da
pele.

foi num tempo de palavras ditas com a boca à boca da noite. quando os dedos
(estes) não conheciam canetas e teclas. e não podiam apagar os quilometros
percorridos pelas mãos.

foi no tempo em que não se despedia o amor por carta, porque despedida não havia,
esperava-se chegar a morte para recomeçar o mesmo amor. de sempre em
outra vida.

um tempo que não é de agora, tão diferente de tudo e de mim. destas mãos
acostumadas às letras e à distância dos olhos. à desimportância da boca.

outro tempo:
tão longe e tão perto de mim

e do recomeço do amor.

mariza lourenço

sábado, junho 24, 2006


Foto tirada daqui

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor...


Hilda Hilst

sexta-feira, junho 23, 2006

Escrava


Yenda

Teu poema, inclemente, me encarcera,
umedecendo, de gozo, os meus versos.
Espancando, com a pena, as minhas rimas,
se assanha, feito bicho, entre meus seios.

Teus dedos em tuas mãos; ágeis tentáculos,
aprisionam de vez minhas vontades,
deixando-me à mercê dos teus domínios,
amarrando-me os pulsos, como escrava.

O ar que me vem é da tua boca.
Meus gemidos quem sufoca é tua língua.
Teu verbo, desconexo aos meus ouvidos,
me faz louvar - indecente - o teu nome.

Em minha barriga, passeia impune o teu falo.
Sob teu corpo, o meu, é prazer e desgoverno.
Entre minhas coxas tu desenhas tua fúria,
em teu pescoço cravo dentes de poesia.

Mariza Lourenço

quarta-feira, junho 21, 2006

Eu sou


Karl Philip Duarte

Derruba-me
Eu deixo
Explora-me
Eu fico
Esmaga-me
Eu quero
Vem
Eu espero
Permanece
Eu estou
Ama-me
E eu sou.

Encandescente, Erotismo na Cidade

Meu Prazer



...
sou mulher que
— à distância —
goza um gozo doído
quando escuta seu homem dizer:
amor... assim?
e, gemendo, responde
:ai, amor... é sim.

Mariza Lourenço

segunda-feira, junho 19, 2006


sweetcharade

Gasto-me à espera da noite
impraticável

fiel
sugo os lábios da noite

invariável caio
nos poços da noite

Gasto-me à espera da noite alheia
amassada de gargalhadas doces e areia

Amor anoitecido vem
tecer-me um vestido
nocturno

Atraiçoo os anúncios luminosos
até a lua nova sabe a ausente
- e eu anavalhei-te com naifas de ansiedade -

Estou à espera da noite contigo
venham as pontes ruindo sob os barcos
venham em rodas de sol
os montes os túneis e deus

Estou à espera da noite contigo
livre de amor e ódio
livre
sem o cordão umbilical da morte
livre da morte

estou
à espera
da noite

Luiza Neto Jorge

sábado, junho 10, 2006


Samantha Wolov

...Como posso falar

Do desespero
Se a força do desejo
Em tua boca
É um delírio de pragas
E de beijos,

Se a angústia de perder
O que me mata
Faz-me a vida odiar
Mais do que a morte,

Pois que ao perder-te
Perco mais que a vida,
Perco o sonho, a memória,
A fantasia...

E este gosto de viver
Como quem morre.

Myriam Fraga

quinta-feira, junho 08, 2006

Nu e cru


Joe Gantz

Envolve-me docemente.
Que os teus braços sejam abraço
envolvente.
Sem pressas manso com vagar devagar de-
va-ga-ri-nho.
Isso. Assim.

Mão na nuca com dedos vincados que
esmaguem meus lábios bem abertos contra
os teus em oferta. Que as línguas se
toquem, se entrelacem e deslacem nossos
corpos.
Isso. Assim.

Encosta-te, enrosca-te e sente o que
endurece, em mim e em ti, sob botões
arrancados à força, num repente
alucinado. Os lábios beijam. Os dentes
mordem.
Isso. Assim.

E, chegados aos ouvidos, aflorados os
lóbulos pelos recantos mais recônditos,
que os lábios sussurem, murmurem, repitam
e gritem, sem receios nem temores nem
medos nem terrores de que as paredes
oiçam e os vizinhos estremeçam...
Isso... Assim... Em uníssono...

- Fode-me!

Isso... assim...
Nus e crus.
O texto...
Eu e
tu.

Daniel,
roubado aqui

segunda-feira, junho 05, 2006

E pur si muove


Graça

E contudo... O corpo move-se

Apesar do cansaço
Alagado em suor
O desejo reaceso
Que julgavas saciado
A vontade e o querer
Que julgavas satisfeitos
E despertam os sentidos
Que julgavas adormecidos
Quando na tua a minha boca diz
- Quero mais e mais de ti.

Encandescente

sexta-feira, junho 02, 2006

Diz-me tu



Diz-me tu como te amo.
Tu.
Que me tomaste as palavras
Que me tornaste desejo
E a quem em silêncio chamo
E a quem ardendo amo
Diz-me tu, meu amor.
Diz-me tu de nós.

Encandescente