quarta-feira, setembro 28, 2005

A exaltação da pele













Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.

Natália Correia

terça-feira, setembro 27, 2005



















...Só de tocar-te a pele
só de beijar-te os olhos
só de chamar teu nome

Só de imaginar-te.

Ousa, se és verdade.

Rosa L. F. (Dispersos)

quinta-feira, setembro 22, 2005

Morder













mordo tuas palavras
lentamente
sabem a ti
sabem a nós
desfazem-se em mim
oceânicas
colam seus corpos
ao meu

silvia chueire

quarta-feira, setembro 21, 2005

Ausência



















Procurei o meu corpo ao acordar
Encontrei-o cansado.
Deitado numa posição estranha.
Nada habitual.
Quando o vesti tinha um cheiro que não o meu
E doíam-me na pele marcas que não me lembro.
Soube que me tinhas sonhado.
Ausente de mim no sono
O meu corpo vagueou nas tuas mãos.

De Encandescente
aqui

terça-feira, setembro 20, 2005



















Tocar num corpo, amá-lo, entrar nele, regressar a casa,
é tocar no céu, é amar as águas antes da invenção de deus.

Casimiro de Brito

domingo, setembro 18, 2005

Como direi?



















como te direi? como direi do caminho percorrido e do que ainda há a percorrer?dos muitos quilômetros de distância, distância atlântica entre minha nascente e a foz ?

como te direi do barco navegando anos a fio, ondas, maremotos,
arquipélagos longín­quos, arrecifes de coral a encantar os olhos,
perdidos sempre no mar ?

como direi das minhas mãos a ensaiar o adeus ou a carí­cia de boas
vindas enquanto o tempo passa ? há uma canção que me embala,
sempre há. tênue canção.

enquanto não digo embaraço-me nos laços desse amor.

eugênia fortes


















Fonte generosa e ainda e para sempre, selada.
Quem possui uma mulher não possui coisa nenhuma, não penetra coisa nenhuma - e menos ainda se a ama. O amor é antes de mais um desejo, que nunca se esgota.

Casimiro de Brito, Da Frágil Sabedoria

sábado, setembro 17, 2005



















agora não.
penso-te. tão sozinha como o escuro desta noite.
e todavia uma só palavra poderia
devolver-me de novo ao dia. mas não.
há muito que a insónia me prende ao nome que me procuro
à exactidão deste lugar. a voragem do tempo
tudo parece ter escondido de mim.

Al Berto

quarta-feira, setembro 14, 2005

Se













Se pudesses voltar atrás
Emendar todos os erros
E tornar o passado perfeito
Será que o farias?
Se soubesses da despedida
Abririas ainda os braços?
Emendarias o passado
Para modificar o presente?
Conjugarias o verbo ser
Mesmo sendo hoje ausente?
Arriscarias a partida
Se soubesses da chegada?

De Encandescente,
aqui

terça-feira, setembro 13, 2005

Improviso na Madrugada



















Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar,
o teu corpo perdia-se no meu.

(Vontade de ser barco ou de cantar.)

Eugénio de Andrade

segunda-feira, setembro 12, 2005

Gherardo

Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela. Tal como as tuas vestes não são mais que o invólucro do teu corpo, assim tu também não és mais para mim do que o invólucro de um outro que extraí de ti e que te vai sobreviver. Gherardo, tu és agora mais belo que tu mesmo. Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos.

Marguerite Yourcenar, in 'Sistina

domingo, setembro 11, 2005

Corpo Habitado



















Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim -
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.

Eugénio de Andrade , Obscuro Domínio

quinta-feira, setembro 08, 2005



















mas nem sempre foi assim. não.
antes
era um tempo de me crescer. era um tempo de
ramificações de dias em sol. da paisagem debruada a mãos e
olhos. e como se tudo aí fosse eterno
era um tempo de para sempre eu
e tu.

era um tempo em que a minha voz se erguia clara
virgem de choro e
te cobria de beijos e nomes infindos. era um tempo
de pássaros mundos
de ruidosas asas de pássaros fugindo do meu
para o teu olhar. carícias e desejos de voar. em teus braços
em meus braços
a alegria era um ninho para dois corpos. e pensavamos
não pode haver outra
idade que esta primavera.

al berto

quarta-feira, setembro 07, 2005















Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Lya Luft

terça-feira, setembro 06, 2005



















diz-me um segredo
mantém-me acordada
enquanto esta noite não chega ao fim

Dulce Maria Cardoso

Amor















Amor que arde em meu corpo
Como círio nos altares,
Como lâmpada na parede,
Lanternas que o vento apaga.

Myriam Fraga

domingo, setembro 04, 2005

Desígnios















(Obrigada e pur si muove)

alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha
mão
esta paixão inesperada
se estava já escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida

ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham o nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a partir de agora eu trago
marcada
na palma da minha mão

Bruna Lombardi