quarta-feira, julho 27, 2005























quanto tempo
até que não haja mais tempo?

Silvia Shueire

sábado, julho 23, 2005

Balada de Chang-Kan

















Arrastavas os pés quando te foste.
Cresce musgo agora, sobre os traços dos teus pés,
Tão profundo que não se pode arrancar.
Antes do tempo, caem as folhas neste outono ventoso.
Pares de borboletas salpicam de amarelo o jardim ocidental.
Entristecem-me. A minha pele perde o tom rosado.

Se regressares através da Garganta do Rio Azul,
Por favor não te esqueças de me avisar.
Para que eu possa ir ao teu encontro.
Tal é a minha ânsia
De te abraçar, que não me metem medo o vento de areia,
Nem a distância.

Li Bai

sexta-feira, julho 22, 2005

Tocar



















As minhas mãos
abrem as cortinas do teu ser
vestem-te com outra nudez
descobrem os corpos do teu corpo
As minhas mãos
inventam outro corpo
para o teu corpo

Octávio Paz

quinta-feira, julho 21, 2005



Oh, apagar-me no teu peito suavemente

enquanto nos teus olhos leio

a respiração do tigre.

(Odes de Mitilene - excertos)

quarta-feira, julho 20, 2005

Um amor impossível























Amanhã
este fogo cresce.

Amanhã, tremor
Amanhã, suspiro.

Insiste
um amor impossível
amanhã.

Insiste,
sim.
Um amor impossível pode ser amanhã.

Angela Melim

segunda-feira, julho 18, 2005













é rouca a minha voz
na madrugada,
por entre os sobressaltos do sono
a chamar-te,
vem.

amo-te,
murmura a tua minha voz
na alucinação da perda.

quero-te,
diz muito baixo o meu desespero,
nas horas em que me descuido.

silvia chueire

domingo, julho 17, 2005

A carícia perdida













Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?

Alfonsina Storni

sábado, julho 16, 2005



















Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.

Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo

Lya Luft

quinta-feira, julho 14, 2005
















Diz o meu nome. Di-lo.
Do modo que é suposto dizê-lo.
Quero saber que já te conhecia
mesmo antes de te conhecer

Sandra Cisneros

quarta-feira, julho 13, 2005













Não conhece a arte de navegar
quem nunca navegou no ventre
de uma mulher, remou nela,
naufragou
e sobreviveu numa das suas praias.

Cristina Peri Rossi

segunda-feira, julho 11, 2005











Intacta memória - se eu chamasse
Uma por uma as coisas que adorei
Talvez que a minha vida regressasse
Vencida pelo amor com que a lembrei.

Sophia

sábado, julho 09, 2005


















Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

Nuno Júdice

quinta-feira, julho 07, 2005

Ao Perder-te...



















Ao perder-te a ti perdemos os dois
eu porque tu eras o que eu mais amava
e tu porque eu era quem mais te amava (...)

Ernesto Cardenal

Vem o Senhor II











(...)
Outras vezes fazes-me rodar e cavalas em mim, cavalgas ainda, tentando talvez chegar àquele lugar no infinito onde a tua montada jamais poderá conduzir-te, por mais que rasgues florestas e desbraves caminhos.

Porque eu sou o caminho. O caminho secreto que leva às fontes do prazer, aos lugares míticos, aos mares enfeitiçados.

Eu sou a floresta. A floresta de recantos secretos, de grutas azuis, de pássaros exóticos.

Eu sou o teu destino e a tua viagem. A tua amante, a tua égua, o teu amor.

Rosa Lobato de Faria, Vem o senhor

quarta-feira, julho 06, 2005

Vem o Senhor



Da nossa câmara, que uma pesada cortina de veludo protegia da aragem do claustro, era impossível ouvir os teus passos. E, no entanto, eu pressenti-te, quando desmontaste e entregaste o cavalo ao palafreneiro. Talvez porque ouvisse o relincho do animal, imaginei que te aproximavas, pisando levemente as lages do pátio, querendo surpreender-me na alcova, saudoso dos meus braços e do meu amor. Tive a visão dos teus pés calçados de borzeguins de cabedal suave, que eu tantas vezes sentira no corpo em jogos amorosos, quando me levantavas com a bota os vestidos, me derrubavas, me acariciavas com ela as coxas oferecidas, a cintura macia. Quantas vezes de joelhos, rastejando de paixão, lhes entrelacei os atilhos de pele, bem atados, para que não tropeçasses.
Via, claramente vistos, os teus contornos e a orla da tua capa em movimento, mas não via o teu adorado rosto. Esse tê-lo-ia bem perto, antes de nada, quando a tua boca ávida devorasse a minha boca, quando, como um vampiro, sugasses o meu pescoço.
Não se ouvia nada, nem o adejar de uma folha, nem um riso de pássaro, e no entanto eu disse


Benta, vem o senhor.

E de novo ouvi o teu cavalo, pensei tirar a pouca roupa que trazia no corpo, mas não queria negar-te a excitação impaciente de desnudar-me com as tuas próprias mãos, apenas te facilitei a tarefa libertando o colo, desfazendo alguns atilhos mais apertados, como quem quer e não quer, descobrindo um pouco os seios, as pernas depiladas com mel quente e depois suavizadas com loção de cardamomo para, sem rebuço, entrelaçá-las nos teus quadris, na tua cintura, no teu pescoço, para esfregá-las na tua barba negra, cortada curta como a mim me apraz, às vezes és tu que me seguras os pés e os roças no pescoço e os beijas, cerrando os olhos claros, esses olhos iluminados de todas as claridades que, dizem, herdaste de tua mãe Inês de Castro.

Rosa Lobato de Faria, Vem o Senhor


...e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves,
nascem para não desaparecerem. e isso é como permanecer.

Francisco José Viegas, Regresso por outro rio


cansei-me de ter a pele à mostra
o peito descortinado,
sangrando e vazio.
nesta ordem ,
que não é a melhor ordem das coisas.
é uma melancolia cansativa.
tediosa, por que não dizer?

assim, abram as portas da vida,
porque eu vou passar .
acendam as luzes da noite
porque elas iluminarão minha festa.
ponham música para tocar,
estarei dançando.
um sorriso nos lábios ,
de quem celebra.

silvia chueire

sábado, julho 02, 2005
















As gôndolas descem o Grand Canale, rumo ao poente.
O pôr-do-sol é uma advertência e um aviso de morte que nunca enxergamos.
Somos sempre felizes no último lugar onde estivemos, ou no próximo para onde vamos - só agora percebo isso.

Thomas G. Marasco

sexta-feira, julho 01, 2005

Onde os lábios













Os lábios.
Distante, arrefecida chama.
Não só os lábios, também as estrelas
são distantes.E os bosques.
E as nascentes.
Também as nascentes são distantes.
As nascentes onde os lábios,
onde as estrelas bebem..
Só o deserto é próximo, só
o deserto.

Eugénio de Andrade