terça-feira, maio 31, 2005

Poema do esquecimento



E olharei as nuvens sem pensar que te quero,
com o hábito surdo de um velho marinheiro
que ainda sente, em terra firme, a ondulação do mar.

José Angel Buesa

domingo, maio 29, 2005

Quem é?




Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do meu leito?
Quem é que beija o meu rosto
Quem é que morde o meu peito?
Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
— És tu, senhor dos meus olhos,
E sempre no meu sentido.


António Botto, As Canções de António Botto, 1999

quarta-feira, maio 25, 2005



Hoje sinto-me assim...

terça-feira, maio 24, 2005



e às vezes,
apenas às vezes,
o sonho,a saudade,
o desejo puro e simples
emergem,
gigantes urgentes .

silvia chueire

segunda-feira, maio 23, 2005

Se alguém disser



Se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu,
escuta a noite e recolhe o meu corpo da espuma dos planetas.
não deixes que o meu rosto se dissolva nas tuas mãos,
insiste no meu nome até que o mar ascenda à tua boca.
e de luar em luar celebra o coração que fiz teu, mudamente,
como se o amor fosse sobreviver às veias paradas do sangue.

Vasco Gato, Um mover de mão

domingo, maio 22, 2005

O Profeta



Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros
e escarpados.

E quando as suas asas vos envolverem,
entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor vos coroa,
também deve crucificar-vos

(...) Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair da eira do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

Khalil Gibran

quinta-feira, maio 19, 2005

A casa e a estrada



A minha casa diz-me:
“Não me deixes, pois aqui habita o teu passado.”
E a estrada diz-me:
“Vem e segue-me pois eu sou o teu futuro.”
E eu respondo à minha casa
da mesma forma que à estrada:
“Não tenho nem passado nem futuro.
Se fico aqui, é como se partisse,
mesmo ficando, e se vou embora é como se ficasse,
mesmo indo. Só o amor e a morte mudam as coisas.


Kahlil Gibran (Areia e Espuma)

quarta-feira, maio 18, 2005

Todo o amor



Todo o amor é fantasia
Ele inventa o ano, o dia,
A hora e a melodia;
Inventa o amante e,
mais, a amada.

Não prova nada,
contra o amor, que a amada
não tenha existido jamais.

Antonio Machado (Espanha,1875-1939)


Hoje, somos todos verdes...
Mesmo aqueles que, como eu, são encarnados por dentro...

terça-feira, maio 17, 2005


esse é o rito

içar a dor sombria
e se fazer ao mar

como alguém que ao ficar
finge que parte

Cristina Lacerda

sábado, maio 14, 2005

Vem



Vem morrer vivendo nos meus braços
Preenche com meu colo teus espaços
Do avesso do meu não, faz o teu sim
Vem poetar de amor dentro de mim

Grita o aroma rubro do desejo em flor
Perde teu gosto fulvo desta pele em cor
Pensa nas sombras de gemidos vãos
E faze de meus lábios tuas mãos
Sente meu toque no teu toque exangue
Vive meu gozo em teu próprio sangue

Dá-me teu beijo para que eu afague
Dá-me teus olhos para que eu me afogue
Teu pensamento onde minh'alma cabe
E que meu corpo no teu corpo acabe

Lília chaves

quinta-feira, maio 12, 2005

Súbita



a mão a travar-me
alguma coisa como lágrima
sou o que seja.

o golpe certeiro da memória
na noite
de quarto crescente
agudo entre estrelas.

o baque na boca
do estomago,
algo entre o aperto
e o vazio.

a tua falta não tem hora
para mostrar-se.
nem a minha angústia.

silvia chueire

quarta-feira, maio 11, 2005

Poesia II



Se houver próxima vez, não deixarei
de me arrancar os olhos previamente
ou me cobrir, inteiro, a celofane.


António Franco Alexandre

Poesia I



Decerto mereci este desprezo
por cortês, previdente mensageiro,
pois me atrasei no horário da cegueira
e ainda desejei, sensível, ver-te.


António Franco Alexandre

terça-feira, maio 10, 2005



Chamo-te
meu amor
a ti;
que nem dedos possuis
para simulares a ternura de um gesto.

a ti,
que podias ser um fruto,
terra pobre e rude
ou, apenas,
uma ave de orvalho.
A ti
chamo-te amor.

Francisco Duarte Mangas

segunda-feira, maio 09, 2005

Musica mirabilis



Talvez a ternura
crepite no pulso,
talvez o vento
súbito se levante,
talvez a palavra
atinja o seu cume,
talvez um segredo
chegue ainda a tempo


- e desperte o lume.
Eugénio de Andrade

domingo, maio 08, 2005



Sou um animal. Necessito diariamente da tranfusão de uma enorme quantidade de calor.
Tocas-me?

Vasco Gato



quinta-feira, maio 05, 2005



Agora bebo a tua nudez na lenta cerimonia do amor. Agora ardemos no pavilhão silencioso da noite. Agora quero a tua boca como uva e sol.

Vasco gato, A prisão e paixão de Egon Schiele

quarta-feira, maio 04, 2005



Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre

-Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego

-Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará

-Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só

-Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na ausência indestrutível que
nos faz ser um no outro

-Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida

-Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam

-Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.

Jorge de Sena

terça-feira, maio 03, 2005



Quando chegar o meu instante derradeiro
só então,
mais do que eu,
tu morrerás em mim.

Gilka Machado