quinta-feira, junho 30, 2005



O suor das máscaras do último carnaval de Veneza escorre por entre os meus dedos e lembro que estou em pleno processo de resgate da sucata do passado.
Os farrapos de hoje, amanhã já serão apenas saudade.

Thomas G. Marasco

domingo, junho 26, 2005

Instantes



há instantes-lâmina,
instantes que nos retalham
e nos confrontam com quem somos
e porque.
percorrem-nos lentamente
em sua natureza afiada.

silvia chueire

Primavera



veste-se de cinza, o céu.
olhos toldados
pela chuva de inverno,
pensas:
deve ser primavera
no peito de alguém.

silvia chueire

sábado, junho 25, 2005



Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga


(...) Eu te olho calada com meu doce sorriso,
E quando te entusiasmas, penso: não tenhas pressa
Não és tu o que me engana, quem me
engana é meu sonho.

Alfonsina Storni

quinta-feira, junho 23, 2005

O amor antigo



O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige, nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade (Amar se aprende amando)

quarta-feira, junho 22, 2005

Cala o canto oh poeta



Porque falas de mim oh poeta
Quando te dizes triste
Quando te dizes só?
Porque és tu eco de mim oh poeta?
Porque me falas quando te falas
Porque está na tua a minha voz?
Cala o canto oh poeta
Silencia as palavras
Não as fales assim
Que as não quero ouvir
Que as não quero saber
Que as escondo até de mim.

de Encandescente, aqui

segunda-feira, junho 20, 2005

No corpo


De que vale tentar reconstruir com palavras

o que o verão levou

entre nuvens e risos

junto com o jornal velho pelos ares?

O sonho na boca, o incêndio na cama.

o apelo na noite

agora são apenas esta

contracção (este clarão)

de maxilar dentro do rosto.

A poesia é o presente

Ferreira Gullar

Dentro de mim



Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora

- Cacaso

terça-feira, junho 14, 2005

Vazante



Vaza o rio
das minhas palavras
pela boca
do teu silêncio.

De forma
que eu também as silencio.

E tudo é puro disfarce,
disfarce puro.
Em forma de poema.

Eugênia Fortes

segunda-feira, junho 13, 2005

Até sempre, Poeta!



Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive
e é como um perdão
que não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.


Eugénio de Andrade

sábado, junho 11, 2005

Ouvindo Bethânia



Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

Chico Buarque (Maria Bethânia)


Tu cuerpo cálido es una invitación abierta al amor.
No sólo a la demostración física...
Hablo del sentimiento vasto e infinito.
De la pasión que no decrece con la presencia,
de la que se intensifica con la ausencia.
Hablo de lo que me inspira
tu esencia y contexto.
Lleno de defectos, que bien claro miro
y no me asusta;
que asumo como algo tuyo.
Hablo de algo muy sencillo:
del amor que por ti siento.

Ylia Kazama

quarta-feira, junho 08, 2005



Desamarra-me...

terça-feira, junho 07, 2005

A pérola



Disse uma ostra
à ostra sua vizinha:
-Sinto uma grande dor dentro de mim.
É coisa pesada, redonda, que me magoa.

-Louvados sejam os céus e o mar,
respondeu a outra, com altiva condescendência.
Eu não sinto dor nenhuma.
Estou boa e sã
Por fora e por dentro.

Nesse instante
Um caranguejo que passava
Ouviu as duas ostras
E disse à que estava boa e sã
Por dentro e por fora:
-Sim, estás boa e sã;
mas a dor que a tua vizinha sente
é uma pérola de extraordinária beleza.

Khalil Gibran, O Vagabundo

Cumplicidades



Tão efémeras, as cumplicidades radiosas. Encontros de pele, de ideias, de atmosferas, flutuando como nuvens para o paraíso do esquecimento. Acreditava que o sentido da minha vida estava nesses encontros, e confronto-me agora com a falta que tu me fazes. Tu roubas-me o sentido, viciei-me nesse roubo, talvez seja ainda um vício do sentido, o supremo.
Nós nunca fomos cúmplices, sabíamos demais um do outro...

Inês Pedrosa, Fazes-me falta

domingo, junho 05, 2005

A última folha



até quando me mentirão os malmequeres?

Márcia Maia

sábado, junho 04, 2005



Ter coragem de olhar
pela última vez
e mentir calmamente:
quem sabe...Talvez
como se a última vez
ficasse pra outra vez

Aldir Blanc -

sexta-feira, junho 03, 2005

Ontem à noite



Ontem à noite, depois da sua partida definitiva, fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês de junho, esse mês que inaugura o Inverno. Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo depurado de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acaba. Tinha lavado as minhas coisas, quatro coisas, estava tudo limpo, o meu corpo, o meu cabelo, a minha roupa, e também aquilo que encerrava o todo, o corpo e a roupa, estes quartos, esta casa, este parque. E depois comecei a escrever...

Marguerite Duras

Poema LXVI



Nesta história só eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

Pablo Neruda

(Retirado de: Cem sonetos de amor)

quarta-feira, junho 01, 2005

Papoilas



estou opiada de ti
e percorres-me os nervos todos
com papoilas borboletas vermelhas

Ana Mafalda Leite