terça-feira, dezembro 06, 2005


















Amália Ruiz encontrou a paixão da sua vida no corpo e na voz de um homem proibido. Durante mais de um ano viu-o chegar febril à beira da sua saia, que saía voando depois de um abraço. Não falavam muito, conheciam-se como se tivessem nascido no mesmo quarto, e um simples roçar dos seus agasalhos causava-lhes estremecimentos e ditas. O resto saía-lhes dos seus corpos felizes com tanta facilidade que, pouco tempo depois de se encontrarem, no quarto dos seus amores soava a Sinfonia Pastoral e cheirava a perfume como se Coco Chanel o tivesse inventado.

Aquela glória mantinha as suas vidas suspensas e convertia a sua morte num impossível. Por isso eram belos como um feitiço e promissórios como uma fantasia.

Até que, numa noite de Outubro, o amante da tia Meli chegou ao encontro atrasado e a falar de negócios. Ela deixou-se beijar sem paixão e sentiu o hálito da habituação devastando-lhe a boca. Guardou para si as censuras, mas saiu a correr para casa e nunca mais quis saber daquele amor.

Quando o impossível se quer transformar em rotina, é preciso abandoná-lo – Explicou à irmã, que não era capaz de entender uma atitude tão radical. – não podemos embarcar na história de ambicionar uma coisa proibida, de a possuir às vezes como uma bênção, de a desejar sobretudo por isso, por ser impossível, desesperada, e de um momento para o outro vê-la converter-se no anexo de um escritório.
Não posso permiti-lo, não vou permiti-lo. Seja por amor de Deus que algo tem de proibido e por isso é abençoado.

Mulheres de olhos grandes, Angeles Mastretta

2 comentários:

Anónimo disse...

...
Parece que partimos. Cada dia
Mais, profundo na noite se aprofunda
E nós queremos partir - todos os cantos
Empalidecem ao pé desta descida
Até às pedras geladas do silêncio

Olhamos à janela de olhos fitos
Longe a claridade além dos rios
Queremos ir com o vento com o perigo
Queremos a injustiça do castigo
Somos nós que a nós mesmos nos matamos
E com mais amor do que quando amamos
Sentimos sobre nós descer o frio

Sophia de Mello Breyner Andresen

Anónimo disse...

Beija eu

Seja eu,
Seja eu,
Deixa que eu seja eu.
E aceita
o que seja seu.
Então deita e aceita eu.

Molha eu,
Seca eu,
Deixa que eu seja o céu.
E receba
o que seja seu.
Anoiteça e amanheça eu.

Beija eu,
Beija eu,
Beija eu, me beija.
Deixa
o que seja ser.
Então beba e receba
Meu corpo no seu corpo,
Eu no meu corpo.
Deixa,
Eu me deixo.
Anoiteça e amanheça.

Marisa Monte

(VR)