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entra no meu corpo
como se fosses dono
de posse que te foi dada.
entra em mim
todo mãos, lábios, pele,
perdição murmurada.
mesmo que não seja assim
e tudo seja sonho,
antecipação,
delírio.
silvia chueire
Quero acabar como uma gata,
beber leite em tigelas de barro,
comer peixe fresco e fetos.
Quero ser uma gata para me deitar
entre os livros que estás a ler,
deixar pêlos meus pela casa toda,
arranhar-te as pernas.
Quero acabar como uma gata,
para que me fales quando estiveres só,
convencido de que nunca te vou compreender,
rasgar-te papéis importantes,
extraviar adornos de valor.
Quero ser uma gata para de noite subir aos telhados
e ouvir-te desesperado a chamar-me:
Miau, miau, miau, miau...
Zoé Valdéz
ofereço-te meu corpo
faze dele o que quiseres
porque é o teu desejo
que desejo.
eugênia fortes
...enquanto o meu corpo caminhava lentamente para o abismo. as tuas mãos cravadas nele : és minha. e eu a repetir : sou tua .
há um segredo de morte entre os amantes. só o desvenda, se é que o faz, quem percorre a senda obscura do outro sem morrer ou matar. no entendimento de que o amor pode ser vivido. sempre pode.
e. fortes
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Hilda Hilst
... e pedirei à noite que me empreste
um farrapo de manto incandescente
de que se veste, agora, para ter-te.
António Franco Alexandre
Tal como és assim te quero, e sempre
diverso cada dia do que foste;
cada imperfeito gesto que inventares
me fará desejar-te em outro verso.
António Franco Alexandre
Às vezes penso que não é o tempo que passa, somos nós que invadimos calendários e arrancamos dias, somos nós que construímos relógios e giramos os seus ponteiros enrugados, somos nós que inventamos minutos e carregamos horas dilaceradas em nossos bolsos vazios.
Às vezes me ocorre que não é o tempo que passa, somos nós que caminhamos para trás.
Thomas G. Marasco
Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela
a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca
uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas,
a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora
o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.
Bruna Lombardi
Encontro o meu amor a pescar
de pé nos baixios
Ofereço-lhe a magia das minhas coxas
O meu conjuro prende-o
Poemas de Amor do Antigo Egipto
Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu?
Tempo.
Hilda Hilst
Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção
de água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase
Eugénio de Andrade