quarta-feira, julho 06, 2005

Vem o Senhor



Da nossa câmara, que uma pesada cortina de veludo protegia da aragem do claustro, era impossível ouvir os teus passos. E, no entanto, eu pressenti-te, quando desmontaste e entregaste o cavalo ao palafreneiro. Talvez porque ouvisse o relincho do animal, imaginei que te aproximavas, pisando levemente as lages do pátio, querendo surpreender-me na alcova, saudoso dos meus braços e do meu amor. Tive a visão dos teus pés calçados de borzeguins de cabedal suave, que eu tantas vezes sentira no corpo em jogos amorosos, quando me levantavas com a bota os vestidos, me derrubavas, me acariciavas com ela as coxas oferecidas, a cintura macia. Quantas vezes de joelhos, rastejando de paixão, lhes entrelacei os atilhos de pele, bem atados, para que não tropeçasses.
Via, claramente vistos, os teus contornos e a orla da tua capa em movimento, mas não via o teu adorado rosto. Esse tê-lo-ia bem perto, antes de nada, quando a tua boca ávida devorasse a minha boca, quando, como um vampiro, sugasses o meu pescoço.
Não se ouvia nada, nem o adejar de uma folha, nem um riso de pássaro, e no entanto eu disse


Benta, vem o senhor.

E de novo ouvi o teu cavalo, pensei tirar a pouca roupa que trazia no corpo, mas não queria negar-te a excitação impaciente de desnudar-me com as tuas próprias mãos, apenas te facilitei a tarefa libertando o colo, desfazendo alguns atilhos mais apertados, como quem quer e não quer, descobrindo um pouco os seios, as pernas depiladas com mel quente e depois suavizadas com loção de cardamomo para, sem rebuço, entrelaçá-las nos teus quadris, na tua cintura, no teu pescoço, para esfregá-las na tua barba negra, cortada curta como a mim me apraz, às vezes és tu que me seguras os pés e os roças no pescoço e os beijas, cerrando os olhos claros, esses olhos iluminados de todas as claridades que, dizem, herdaste de tua mãe Inês de Castro.

Rosa Lobato de Faria, Vem o Senhor

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