Arrastavas os pés quando te foste. Cresce musgo agora, sobre os traços dos teus pés, Tão profundo que não se pode arrancar. Antes do tempo, caem as folhas neste outono ventoso. Pares de borboletas salpicam de amarelo o jardim ocidental. Entristecem-me. A minha pele perde o tom rosado. Se regressares através da Garganta do Rio Azul, Por favor não te esqueças de me avisar. Para que eu possa ir ao teu encontro. Tal é a minha ânsia De te abraçar, que não me metem medo o vento de areia, Nem a distância. Li Bai
As minhas mãos abrem as cortinas do teu ser vestem-te com outra nudez descobrem os corpos do teu corpo As minhas mãos inventam outro corpo para o teu corpo Octávio Paz
Insiste um amor impossível amanhã. Insiste, sim. Um amor impossível pode ser amanhã. Angela Melim
segunda-feira, julho 18, 2005
é rouca a minha voz na madrugada, por entre os sobressaltos do sono a chamar-te, vem. amo-te, murmura a tua minha voz na alucinação da perda. quero-te, diz muito baixo o meu desespero, nas horas em que me descuido. silvia chueire
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante, Se estremece os ramos um doce suspirar, Se te aperta os dedos uma mão pequena Que te toma e te deixa, que te engana e se vai. Se não vês essa mão, nem essa boca que beija, Se é o ar quem tece a ilusão de beijar, Ah, viajante, que tens como o céu os olhos, No vento fundida, me reconhecerás? Alfonsina Storni
sábado, julho 16, 2005
Um anjo vem todas as noites: senta-se ao pé de mim, e passa sobre meu coração a asa mansa, como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça (asas cobrindo a ferida do flanco) é todo o amor que resta entre ti e mim, e está comigo Lya Luft
quinta-feira, julho 14, 2005
Diz o meu nome. Di-lo. Do modo que é suposto dizê-lo. Quero saber que já te conhecia mesmo antes de te conhecer Sandra Cisneros
quarta-feira, julho 13, 2005
Não conhece a arte de navegar quem nunca navegou no ventre de uma mulher, remou nela, naufragou e sobreviveu numa das suas praias. Cristina Peri Rossi
segunda-feira, julho 11, 2005
Intacta memória - se eu chamasse Uma por uma as coisas que adorei Talvez que a minha vida regressasse Vencida pelo amor com que a lembrei. Sophia
sábado, julho 09, 2005
Podíamos saber um pouco mais do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada sabemos do amor.
(...) Outras vezes fazes-me rodar e cavalas em mim, cavalgas ainda, tentando talvez chegar àquele lugar no infinito onde a tua montada jamais poderá conduzir-te, por mais que rasgues florestas e desbraves caminhos. Porque eu sou o caminho. O caminho secreto que leva às fontes do prazer, aos lugares míticos, aos mares enfeitiçados.
Eu sou a floresta. A floresta de recantos secretos, de grutas azuis, de pássaros exóticos.
Eu sou o teu destino e a tua viagem. A tua amante, a tua égua, o teu amor.
Da nossa câmara, que uma pesada cortina de veludo protegia da aragem do claustro, era impossível ouvir os teus passos. E, no entanto, eu pressenti-te, quando desmontaste e entregaste o cavalo ao palafreneiro. Talvez porque ouvisse o relincho do animal, imaginei que te aproximavas, pisando levemente as lages do pátio, querendo surpreender-me na alcova, saudoso dos meus braços e do meu amor. Tive a visão dos teus pés calçados de borzeguins de cabedal suave, que eu tantas vezes sentira no corpo em jogos amorosos, quando me levantavas com a bota os vestidos, me derrubavas, me acariciavas com ela as coxas oferecidas, a cintura macia. Quantas vezes de joelhos, rastejando de paixão, lhes entrelacei os atilhos de pele, bem atados, para que não tropeçasses. Via, claramente vistos, os teus contornos e a orla da tua capa em movimento, mas não via o teu adorado rosto. Esse tê-lo-ia bem perto, antes de nada, quando a tua boca ávida devorasse a minha boca, quando, como um vampiro, sugasses o meu pescoço. Não se ouvia nada, nem o adejar de uma folha, nem um riso de pássaro, e no entanto eu disse
Benta, vem o senhor.
E de novo ouvi o teu cavalo, pensei tirar a pouca roupa que trazia no corpo, mas não queria negar-te a excitação impaciente de desnudar-me com as tuas próprias mãos, apenas te facilitei a tarefa libertando o colo, desfazendo alguns atilhos mais apertados, como quem quer e não quer, descobrindo um pouco os seios, as pernas depiladas com mel quente e depois suavizadas com loção de cardamomo para, sem rebuço, entrelaçá-las nos teus quadris, na tua cintura, no teu pescoço, para esfregá-las na tua barba negra, cortada curta como a mim me apraz, às vezes és tu que me seguras os pés e os roças no pescoço e os beijas, cerrando os olhos claros, esses olhos iluminados de todas as claridades que, dizem, herdaste de tua mãe Inês de Castro. Rosa Lobato de Faria, Vem o Senhor
...e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves, nascem para não desaparecerem. e isso é como permanecer. Francisco José Viegas, Regresso por outro rio
cansei-me de ter a pele à mostra o peito descortinado, sangrando e vazio. nesta ordem , que não é a melhor ordem das coisas. é uma melancolia cansativa. tediosa, por que não dizer? assim, abram as portas da vida, porque eu vou passar . acendam as luzes da noite porque elas iluminarão minha festa. ponham música para tocar, estarei dançando. um sorriso nos lábios , de quem celebra. silvia chueire
sábado, julho 02, 2005
As gôndolas descem o Grand Canale, rumo ao poente. O pôr-do-sol é uma advertência e um aviso de morte que nunca enxergamos. Somos sempre felizes no último lugar onde estivemos, ou no próximo para onde vamos - só agora percebo isso. Thomas G. Marasco
Os lábios. Distante, arrefecida chama. Não só os lábios, também as estrelas são distantes.E os bosques. E as nascentes. Também as nascentes são distantes. As nascentes onde os lábios, onde as estrelas bebem.. Só o deserto é próximo, só o deserto. Eugénio de Andrade
Vem de longe a tua voz. De tão longe que duvido de mim mesma ao ouvi-la. Será que te ouço ou será a mim mesma que escuto? Serão minhas as palavras que murmuras, serei ainda eu? Ou serão apenas ecos do amor que fui, que foste um dia?