Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavras que desnudo

Mia Couto

oásis

Penetraremos no palmar
A água será clara o leite doce
O calor será leve o linho branco e fresco
O silêncio estará nu - o canto
Da flauta será nítido no liso
Da penumbra

Lavaremos nossas mãos de desencontro e poeira

Sophia de Melo Breyner Andersen

Carlos Arriagada

Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
...
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ver-te

Ruy Belo

Será possível

Será possível que nada se cumprisse?
Que o roseiral a brisa as folhas de hera
Fossem como palavras sem sentido
- Que nada mais sejam senão seu rosto ido
Sem regresso nem resposta - só perdido

Sophia de Melo Breyner Andersen

Ira Bordo

No estio deste lugar chamo por ti
Que hibernaste a própria vida como o animal na estação adversa
Que te quiseste distante como quem ante o quadro pr'a melhor ver recua
E quiseste a distância que sofreste...

Sophia de Melo Breyner Andersen

a paixão nua

hiroshi hayakawa

A paixão nua e cega dos estios
Atravessou a minha vida como rios

Sophia de Melo Breyner Andersen

Bina Engel

Das duas de mim só percebeste
A louca
A voz de íntima nudez
O grito surdo da fêmea...

Paula Tavares

Poema

Yuliya Shevchenko

Tu escolhes o lugar da ferida
onde emitimos nosso silêncio...

Alejandra Pizarnik

Velislava Georgieva

Do lugar de mim, sinto a estranheza das palavras na memória de todas as estações. Retiro-lhes o perfume, para não as reconhecer. Apago-lhes a cor. Convoco o silêncio - lugar mais que perfeito para ouvir a minha voz...

Maria José Quintela, aqui

Carlo Durano

Estoy doblada sobre tu recuerdo como la mujer que vi
esta tarde lavando en el río.
Horas y horas de rodillas, doblada por la cintura sobre
este río negro de tu ausencia.

Dulce Maria Loynaz

Nomear-te

Lilya Corneli

Não o poema da tua ausência,
somente o esboço, uma fissura num muro,
algo no vento, um sabor amargo.

Alejandra Pizarnik

...
Pode ser que me encontres
Se caminhares nas dunas
Sobre a ardência da areia
Por entre as plantas caseiras

Pode ser que ne encontres
Por detrás das dunas

Pode ser que me encontres
Na décima curva do vento
...
Por entre a febre
A arder


Pode ser que me encontres
Como ao escaravelho negro
Dobrada ao chão da décima duna
No corpo as gotas da salvação
Na exacta medida da tua sede...

Paula Tavares

espero, ao olhar
a distância de um oceano,
que venhas.
a felicidade é um dia possível,
se estás.

silvia chueire