terça-feira, julho 28, 2009




Todos os amantes querem os olhos nos olhos para existir completos, completamente, e provar Deus no beijo, perdido novelo de mim e de ti, sem saber que língua é de quem quando o céu se abre, devagar, devagar, doce docemente, assim se abrem os lábios lambidos de uma ternura toda, obscena e pura, à procura, novelo, sem saber o que é de quem, até que a fúria passe estreita, corrente lenta, entre os dedos, i felt the earth move through my hands like the trembling heart of a captive bird. Pedro e Inês, Cash e Carter, London e Troup, dormem juntos de não serem até que a morte os separe, porque se em vida uma só carne, sempre uma só. É muito fácil o amor assim. É o mais fácil amor, só sede de e só água em. É por isso que o mar de mim se abre num sulco claro e bem navegado, ainda que tema, e eu temo, mesmo uma pequenina sombra, se inesperada, me assusta, temerária não sou, vou adiante na mesma. Tremo. Adiante. A minha fé nasce da minha carne: se não for tudo, não quero nada. Quando morrer quero que me deitem ao lado do meu amor.



Eugénia de Vasconcellos

segunda-feira, julho 06, 2009


Elena Oganesyan

Digo
adeus
e todas as despedidas se alinham
no horizonte que se fecha


Eugénia de Vasconcellos

segunda-feira, junho 22, 2009


Bogdan Jarocki

a saudade do amor é de outra natureza: viva, pulsante, lançada sempre no futuro, sempre, eu tinha saudade de ti quando te esperava. Nunca no passado.


Eugénia de Vasconcellos

domingo, junho 07, 2009


Zygmunt Kozimorsol

É preciso olhar de olhos nos olhos sem medo de cegar e com impiedosa calma as mãos sobre o peito do amor à nossa frente, a pressão dos polegares até o esterno ser um osso concreto de dor natural, ponto ou porta onde o corpo se despe da carne e a caixa da respiração se devolve ao sopro do universo. Lá, entre o equilíbrio musical dos astros suspensos, depositada flutuação no pano de negro silêncio, também o coração, astro também suspenso, brilha escuro, brilhante escuro, a flutuação da luz dentro. Este corpo de pó é de pó estrelas.

Eugénia de Vasconcellos

quarta-feira, maio 27, 2009




Se não tivermos rosas bastam-nos espinhos
Se não tivermos luz bastam-nos chamas.


Umar-i Khayyam

terça-feira, maio 12, 2009

neste intensamente breve instante


Maria José Amorim

É dentro da cabeça,
lá dentro,
que o tempo nos consome
e nos faz falta.
...
Por isso,
é dentro da cabeça,
cá dentro,
para lá dos céus,
antes que o mar termine,
nesta imensa confusão
de meridianos
que nos dói e nos deslumbra,
que se aloja o segredo
indecifrável:
a cor, o som, a luz
que nos conforta,
neste intensamente breve
instante
que é o tempo que nos cabe.



António Mega Ferreira

segunda-feira, maio 11, 2009

O amor é uma coisa, a vida é outra


James Parbleu

O coração guarda o que nos escapa das mãos.
E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.



Miguel Esteves Cardoso

sexta-feira, maio 01, 2009

queria morrer contigo


Andrzej Jakubczyk

queria morrer contigo
não queria morrer de ti



prendi o amor nos meus braços
mas uma chuva de areia negra
cospe o meu sangue onde o coração



queria morrer contigo
contra o corpo limite do dia
arder praias onde o tempo acabava
começar Deus onde era o fim
não queria morrer de ti



a noite toda tem a espessura da perda
a boca beija o batimento da terra
o medo abraça-me



e ainda é tão tarde para que morramos os dois



Pedro sena-lino

domingo, abril 26, 2009


Martin Filip

língua sobre a pele o arrepio
os teus dedos nas escadas do meu corpo


as lâminas do amor o fogo a espuma
a transbordar de ti na tua fuga


a palavra mordida entre lençóis
as cinzas de outro lume à cabeceira


da mesma esquina sempre o mesmo olhar:
nada do que era teu vou devolver


Alice Vieira

terça-feira, abril 21, 2009



Foste tão pouco meu como o sol, na sua última curvatura roxa antes de desaparecer na linha do horizonte, uma linha que parecia desenhada por um miúdo a régua e esquadro lá longe, só para que soubéssemos que há coisas inultrapassáveis, como a pressão do oceano, as paredes de corais e os dias seguintes.



Um amor atrevido

quarta-feira, abril 08, 2009


Margherita Vitagliano

Podes ficar aqui? Não vás embora,
precisarei de mais alguns minutos,
horas, dias, semanas, meses, anos,
eternidades para te esquecer...



Fernando Pinto do Amaral

quinta-feira, abril 02, 2009


Barahona Possolo -Óleo sobre tela, 95x80 cm, 2008

As mulheres são geralmente tidas como seres complicados, mas são-no apenas porque os homens não falam, ou falam pouco. Esta é uma sinergia (ou uma falta dela) que se verifica desde o início dos tempos. Vejamos Adão e Eva. Aquilo foi a história do costume: boy meets girl born from boy´s rib, trocam números de telemóvel, na minha árvore ou na tua, ela a fazer-se rogada e a fingir que finta a serpente, ele a acabar por comer a maçã, uma, duas, três vezes, enfim, um festim. Logo depois começam os problemas. Enquanto Adão fuma um cigarro enrolado à mão e pensa na eficácia das armadilhas para coelhos que inventou no dia anterior, Eva pergunta, Gostaste?. Claro, responde-lhe Adão (é evidente que gostei, que raio de pergunta, se não, não estava aqui). O laconismo não satisfaz Eva, que não desarma. Mas gostaste mesmo da minha maçã? Quanto é que gostaste? Numa escala de um a dez quanto é que lhe dás? E Adão, já chateado que nem um peru com o interrogatório que o obriga a fazer contas de cabeça com o único neurónio de que Deus o dotou, espera que o assunto morra ali com a sua sinceridade, Gostei muito, mas por acaso gosto mais das bravo-esmolfe, são mais docinhas, apesar de estarem pela hora da morte. Aquilo que é a mera constatação de uma preferência inocente, é visto por Eva como uma ofensa pessoal e um sintoma de rejeição. Ao princípio, ainda tenta esmiuçar a preferência de Adão, esforçando-se por compreendê-la (no que seria imitada por todas as fêmeas vindouras). Mas porque é que preferes as bravo? A minha não era doce? E onde é que ficaste ontem até às tantas? Perante a incapacidade de resposta por parte de Adão (que bloqueia, bombardeado com tanto pedido de informação ao mesmo tempo, como um PC dos antigos) segue-se a vingança. Que consiste na erosão da masculinidade de Adão. No dia seguinte, quando ele chega a arfar com um veado às costas, ela começa, Também, sempre veado, sempre veado, não sabes caçar outra coisa senão veado? Estou farta de comer essa porcaria, já não aguento, todos os dias o mesmo, vê lá se caças uma coisa maior, tipo um alce, ou és demasiado mariquinhas para isso? Adão mantém-se calado antes, durante e depois do jantar, a virilidade acabrunhada e recolhida na sunga de pele curtida, a pensar que de bom grado a deixaria morrer à fome, a cabra, ainda por cima cozinha mal, os veados parecem sempre solas. E ao mesmo tempo põe-se a imaginar se, escondidas nos matagais paradisíacos, não andarão outras evas, quiçá bravo-esmolfe, que o apreciem e lhe dêem o devido valor. O silêncio de Adão contunde com os nervos já precários de Eva (que tem de andar descalça e enrolada em folhas, sem uma manicura ou sequer uma zara nas imediações), que pensa que, por não ter obtido resposta, não foi ouvida. Este é um erro que, depois dela, foi sendo desde sempre cometido pelas mulheres: o de não perceberem que, se os homens não respondem ou não lhes dão a resposta que querem, não é necessariamente porque não tenham ouvido nem queiram saber, mas apenas porque têm o cérebro num diferente comprimento de onda. E muitas vezes nem sequer perceberam a pergunta. Ou a utilidade dela. Então Eva inventa o teatrinho feminino, em que a sua gritaria evolui na proporção directa do mutismo de Adão. Que ele já não gosta dela, que na verdade nunca a amou, que não gosta da árvore que ela arranjou para os dois, que a cena de caçar veados é só para embirrar com ela, que nunca a ouve, que é um egoísta, que nunca vai com ela contemplar o pôr-do-sol. Adão acha aquilo tudo um disparate e que Eva é essencialmente uma ingrata que não aprecia o esforço dele que vem a alancar com os veados às costas até à árvore de morada de família, e começa a ouvi-la como ruído de fundo enquanto acaba de chupar o osso da coxa de um bambi excepcionalmente tenrinho que se perdera da mãe. O seu único neurónio às voltas, a pensar em como se livrar daquela Eva que não fecha a matraca e que não sabe cozinhar. Durante uns tempos, ainda tenta agradá-la e salvar a relação primordial, porque, apesar de ser incapaz de lho verbalizar, gosta dela (é verdade que a falta de opções também ajuda). Mas Eva, definitivamente inoculada com o vírus da raiva, como resposta ao laconismo silencioso de Adão, só consegue depreciar, no que se torna um vício que lhe traz um gozo amargo. Um alce? Mas para que é que a gente quer um alce morto, um bicho tão grande? Depois apodrece tudo e é só larvas. Estás a ver aqui no meio do pomar alguma arca frigorífica?. E assim, enquanto Eva, dando um uso fácil e de arremesso às palavras em excesso, finge odiar Adão, este começa de facto a odiar Eva, embora sem palavras. Às tantas, ele olha-a como uma insuportável galinha tonta que lhe cacareja nas costas o tempo todo e ela, apesar da generosa distribuição de neurónios com que foi contemplada, é no fundo uma parva, porque mantém até ao fim a esperança de que ele um dia lhe diga o que lhe vai na alma. Sem perceber que o que lhe vai na alma é apenas ir comendo umas bravo-esmolfe aqui e ali, ir matando uns alces enquanto solta uns gritos de guerra, e que lhe apreciem a virilidade saliente sob a sunga de pele curtida.

Vieira do Mar

quarta-feira, março 25, 2009


kiti

As mulheres têm um tempo interno que corre sozinho.
Os homens não compreendem. Não é tanto o quanto dura o amor, é o quanto ele pode durar no desamor antes de se partir no chão.

Eugénia de Vasconcellos

terça-feira, março 17, 2009


Evgeniy Shaman

Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho


Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça

Mário Cesariny

terça-feira, fevereiro 17, 2009


Thyl

à procura das chaves do carro, a revolver a mala. na ponta da caneta e no azul do tinteiro. a arrumar toalhas e lençóis no armário. a pensar nas pessoas que fazem palavras cruzadas, jogam sudoku. ontem. na chama da vela sobre a peanha. a passear na linha de um verso e a descer por um poema, a descer no elevador, a descer o Chiado. na chávena do leite quente, na porta do micro ondas. nos headphones da Fnac. hoje. nas camisas e gravatas nas prateleiras das lojas. na água que corre das torneiras de casa. no tempero de sal. não sei de um eu onde não estejas.

Eugénia de Vasconcello, aqui